Ao celebrarem-se os 50 anos da morte de Pio XII vêm novamente a lume as polémicas sobre a sua posição durante os anos mais negros do nazismo. A «lenda negra» do «Papa de Hitler» tem já umas décadas e, tanto quanto me pude aperceber, só recentemente têm aparecido aportações autorizadas que põem em causa a tal «lenda negra». Apesar da proximidade do tempo, talvez nunca se venha a saber o que realmente foi mais determinante.
Entre as posições mais extremas há muitas opiniões intermédias, mas nem sempre se encontra consenso na interpretação dos acontecimentos.
Em defesa de Pio XII, há a sublinhar que o Papa moveu muitas diligências para que milhares de judeus fossem salvos. Muitos dizem que a sua voz não se ergueu mais alto contra Hitler para evitar represálias fatais para os católicos alemães. E há lugar para muita especulação... Há também quem diga (e isto vi-o entre os mais tradicionalistas) que Pio XII estava pessoalmente convencido da velha tese do «judeu errante», pelo que a este «destino» dos «deicidas» não havia muito a fazer, a não ser intervir em casos particulares.
Muito possivelmente, há que evitar leituras simplistas.
Deixo a seguir uma notícia do
«Público» de hoje, que refere vários dos elementos da polémica.
Alef
Bento XVI defende Pio XII e diz que ele protegeu judeus
10.10.2008, António Marujo
Posição do Papa segue-se à do rabino de Haifa, que esta semana disse que Pio XII não devia ser beatificado
O Papa Bento XVI defendeu ontem a memória do seu antecessor Pio XII, manifestando o desejo de que ele seja proximamente beatificado, apesar de haver vozes que criticam o que consideram ser a passividade do Papa Pacelli durante o Holocausto, e dizendo que ele trabalhou para salvar judeus.
Na missa que assinalou os 50 anos da morte do Papa Pacelli, Bento XVI afirmou que Pio XII foi um precursor do Concílio Vaticano II (que decorreu entre 1962 e 1965). O actual Papa acrescentou que essa característica tem estado ocultada por um debate histórico "nem sempre sereno".
"Rezamos para que prossiga a causa da beatificação do servo de Deus", afirmou Bento XVI, citado pela AFP. Esta afirmação surge três dias depois de, na abertura do Sínodo dos Bispos dedicado à Bíblia, o rabino de Haifa, Shear Yshuv Cohen, ter dito que Pio XII não devia ser tomado como modelo nem beatificado, pois "não elevou a voz contra o Holocausto".
Opinião diferente tem o rabi da Comunidade Israelita de Lisboa. Eliezer di Martino afirma que Pio XII foi, sobretudo, uma vítima de quem quis denegrir a imagem da Igreja Católica. "Ao contrário do que tem sido dito, Pio XII não foi de modo nenhum o Papa dos nazis. Ele salvou muitos judeus da morte, como é provado por estudos de várias entidades, inclusivamente investigações judaicas", diz Di Martino, citado pela Lusa.
A "lenda negra" sobre Pio XII começou em meados da década de 1960, com a peça
O Vigário, estreada em 1963. O autor da peça, Rolf Hochhuth, admitiria mais tarde que não conhecia alguns textos de Pio XII em que ele tomava posição contra o nazismo. Um diplomata alemão em que Hochhuth se baseara tinha-se vangloriado de ter conseguido o silêncio de Pio XII, mas não transmitira para Berlim as notas de protesto do Vaticano, a que respondera com mais perseguições do regime nazi.
Para os que defendem Pio XII, está em causa sobretudo o que o Papa fez para salvar milhares de judeus, dando ordens a diversas casas religiosas de Roma para os albergar. Um congresso realizado há dois anos, em Roma, concluiu que pelo menos 4300 pessoas foram salvas em 133 casas religiosas, graças a essa estratégia. "A Santa Sé encorajou o acolhimento dos judeus e a maioria das casas religiosas abriu as portas de par em par, perante esta absurda injustiça", afirmou a religiosa e historiadora Grazia Lopaco, num congresso sobre as mulheres na Igreja em Itália.
O facto provocou a reacção do Governo fascista de Mussolini, que acusou o Vaticano de "ocultar judeus e desertores em nome de uma 'mal entendida caridade'." Os refugiados, de acordo com aquela investigadora, eram avisados quando havia perigo, por sinais previamente combinados, como um toque de sineta.
O livro
O Papa de Hitler, de John Cornwell, retoma as acusações de
O Vigário, ao denunciar a "incapacidade de falar com franqueza sobre a Solução Final, que então estava a ser aplicada". Para o autor, que se afirma católico, Pio XII "foi o papa ideal para o horrível plano de Hitler". Ontem, citado pela Reuters, Bento XVI afirmou que Pacelli trabalhou "secreta e silenciosamente" durante a II Guerra Mundial, para "evitar o pior e salvar o maior número de judeus possível".
Memória de Pio XII foi defendida na missa dos 50 anos da sua morte por Bento XVI, que deseja a sua beatificação
Sucedem-se e alternam-se vozes, timbres, ritmos, como numa paleta de clamores. A leitura da Bíblia em directo na televisão italiana (disponível em [
www.rai.tv]), iniciada domingo ao fim da tarde pelo Papa Bento XVI, prossegue até amanhã na Basílica de Santa Cruz de Jerusalém, em Roma. Os leitores revezam-se no ambão colocado no centro do templo, sobre o qual está uma Bíblia de altar. A cada hora e meia, vários artistas executam peças de música sacra antiga e contemporânea. Ao fim do dia de ontem estava lido o livro de Ezequiel, faltando acabar o Antigo Testamento e ler todo o Novo Testamento.