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"Uma Vida de Jesus" de Shusaku Endo
Escrito por: Cassima (IP registado)
Data: 06 de December de 2007 18:04

Estive a ler o livro "Uma Vida de Jesus" de Shusaku Endo, que o firefox recomendou noutro tópico:
Citação:
firefox
Pensava que a tradução portuguesa de "Uma vida de Jesus" estava esgotada! Que ótimo, vou encomendar um exemplar :) Faz tempos que li esse mas vou gostar de ler de novo, é bem próximo do que seria um "Evangelho segundo Shusaku" :) Ele conta a história de Jesus para leitores japoneses que não conhecem nada de cristianismo, e é simplesmente maravilhoso o modo como ele descreve Jesus. Acho que todo catequista devia ler esse!

Encontrei à venda um livro de bolso da Fnac/ASA por 1 euro. :)

Pois gostei muito. Lê-se muito bem! O autor tem um estilo que não cansa e mesmo as teorias que levanta por iniciativa própria, não chocam.

A vida de Jesus é apresentada a partir do início da sua vida pública. Shusaku Endo põe Jesus a sair de Nazaré no início do livro e só termina após a sua Ressurreição. Mas o interessante é que constrói uma história seguindo sempre uma linha de narrativa temporal. Parece que estamos sempre a acompanhar Jesus desde que sai da Nazaré até ao fim. E porque é que saliento isto? Porque eu conheço, de ler e de ouvir na missa, toda a história de Jesus: como nasceu, como andou por uma série de sítios, os milagres que foi fazendo, a forma como foi preso e morto, a descrição da sua ressurreição, como apareceu aos discípulos, ... Mas têm sido quase sempre episódios soltos. Afinal, o que importa no Evangelho é a mensagem e não a sequência cronológica das coisas. Eu nunca construí uma narrativa que pegasse em todos estes episódios e os ordenasse temporalmente. E Shusaku Endo faz isso muito bem.

Ler o livro fez realçar uma coisa que já sabia: não conheço o Novo Testamento assim tão bem... Vendo as interrogações que Shusaku Endo levanta, faz parecer que eu estou num nível perfeitamente de iniciada. Ele aborda os evangelhos e pegando nas narrativas que já conhecemos faz perguntas, algumas delas inesperadas, e tenta responder-lhes. Vê-se que ele dedicou muitas horas a analisar os textos. Por outro lado, o recurso a citações de estudiosos bíblicos, prova que ele não era um diletante, mas alguém que procurava e se informava. Na descrição da figura de Jesus, do seu estado de espírito, das suas acções, vê-se que Shusaku Endo lhe dedicou um grande carinho.

Mas retrata muito mais:
Descreve os discípulos, debruçando-se sobre o seu estado de espírito, as suas motivações, a forma como se transformam após a morte de Jesus.
Contextualiza as acções das autoridades judaicas da época assim como das romanas.
Analisa o comportamento das multidões nos dias da Paixão de Jesus.
Apresenta as zonas geográficas de Israel/Palestina onde a acção se passa


Quero ainda salientar duas coisas que achei menos bem:
O Jesus que ele descreve é um Jesus angustiado, sofrido. Não parece haver uma altura em que tenha estado descontraído, com excepção das bodas de Caná. E isto quer-me parecer que não deverá ter sido assim. Jesus com as crianças, Jesus nos almoços com os amigos, Jesus com Zaqueu (desde pequena que sempre achei esta narrativa muito bem humorada!), não pode ter sido um Jesus angustiado.

O livro está repleto de referências bíblicas dos quatro evangelhos (e não só). Tendo lido o livro quase só nos transportes públicos, foi-me impossível estar sempre a confirmar essas referências. Algumas conclusões que tira, baseando-se em citações bíblicas, não me parecem correctas ou, pelo menos, muito exactas. Ou então eu não consigo ver a ligação, o que é perfeitamente possível. Dou dois exemplos:

Pág. 42:
Citação:
Baseio esta minha convicção no facto de Jesus ter assistido na companhia de Sua mãe à boda de uns amigos de Caná e, ainda mais, no facto de ter abandonado Nazaré com ela, para se estabelecerem em Cafarnaum, junto do lago da Galileia (Jo 2, 12; Mt 4, 13)

Ao ler esta passagem fica-se com a sensação de que Jesus foi buscar a mãe e que a levou para viver com ele e Cafarnaúm. Porém, Jo 2, 12 diz que "Depois disto, desceu a Cafarnaúm com sua mãe, os irmãos e os seus discípulos, e ficaram ali apenas alguns dias." e Mt 4, 13 diz que "Depois, abandonando Nazaré, foi habitar em Cafarnaúm, cidade situada à beira-mar, na região de Zabulão e Neftali".

O primeiro diz que além de Maria foram os irmãos. O segundo não diz nada sobre quem foi com Ele. Ao ler estas passagens não fico com a mesma ideia que ao ler o parágrafo do autor.


Pág. 78/79:
Citação:
Uma vez detectada a suspeita de blasfémia na interpretação que Jesus dava da Lei, os inquisidores entraram a movimentar-se e a propalar que Ele era um "bastardo" (em hebraico mamzer), um "bebedor e comilão", com o propósito de minarem a elevada opinião que d'Ele tinha o povo. E no que se refere aos descrentes, a Lei estabelecia que se alguém era suspeito de apostasia urgia investigar a sua origem, já que os bastardos (produto de matrimónio inválido ou de relações ilícitas) eram suspeitos de ser propensos à traição e à blasfémia contra Deus.
Se alguém, de origem duvidosa, vivesse segundo a vontade divina, não tinha porque sofrer qualquer afronta; mas se lhe acontecia apostatar, impunha-se desmascarar sem piedade a sua origem ilegítima (Lev 24, 10ss). Além disso, epítetos depreciativos como "glutão", "bêbedo", etc. implicavam também a insinuação de nascimento ilegítimo (Dt 21, 20)
.

Lev 24, 10ss diz:
Citação:
Castigo de um blasfemo - 10Havia no acampamento um filho de uma mulher israelita e de um egípcio que vivia com os filhos de Israel; um dia, levantou-se uma questão entre este filho de uma mulher israelita e um homem de Israel. 11*O filho da mulher israelita blasfemou e insultou o nome de Deus, pelo que o levaram à presença de Moisés. Sua mãe chamava-se Chelomite, filha de Dibri, da tribo de Dan. 12Colocaram-no na prisão, até que se lhes declarasse da parte do SENHOR o que se deveria fazer.
13O SENHOR falou assim a Moisés: 14*«Faz sair o blasfemo para fora do acampamento: todos os que o ouviram imponham as mãos sobre a sua cabeça, e que toda a comunidade o apedreje. 15Fala aos filhos de Israel nestes termos: 'Todo aquele que profere uma blasfémia contra o seu Deus, suportará o peso do seu pecado. 16*Aquele que proferir blasfémias contra o nome do SENHOR, será punido com a morte e toda a comunidade o apedrejará. Quer seja estrangeiro quer seja natural do país, se proferir blasfémias contra o nome do SENHOR, será morto.'»

Lei de talião (Ex 21,23-25; Dt 19, 21; Mt 5,38-39) - 17«Se um homem ferir mortalmente outro homem, será condenado à morte. 18Aquele que ferir mortalmente um animal, pagá-lo-á vida por vida. 19E se alguém fizer um ferimento ao seu próximo, far-se-á o mesmo a ele: 20fractura por fractura, olho por olho, dente por dente; conforme o dano que tiver feito a outro homem, assim se lhe fará a ele. 21Quem matar um animal pagá-lo-á, e quem matar um homem deverá morrer. 22Uma só lei vos governará, tanto aos estrangeiros como aos naturais do país, porque Eu sou o SENHOR vosso Deus.»
23E Moisés repetiu tudo aos filhos de Israel. Levaram o blasfemo para fora do acampamento e apedrejaram-no. Os filhos de Israel fizeram o que o SENHOR ordenara a Moisés.

Não vejo em que aqui se indique que se foi investigar a origem do indivíduo porque tinha blasfemado. Ou indicar que era filho de uma israelita com um egípcio e identificar a mãe como sendo Fulana, filha de Sicrano, da tribo de Beltrano corresponde a essa investigação? E porque é que ele é bastardo?
E onde é que se diz que os bastardos eram suspeitos de ser propensos à traição e à blasfémia?


Dt 21, 20 diz:
Citação:
[Os filhos desobedientes - 18*«Quando um homem tiver um filho desobediente e rebelde, que não escuta a voz do seu pai, nem da sua mãe, e que, quando o corrigem, continua a não os escutar, 19o pai e a mãe o levarão à presença dos anciãos da cidade, às portas da sua localidade,]
20e dirão aos anciãos da cidade: 'Este nosso filho é desobediente e rebelde, não escuta a nossa voz; é incorrigível e dissoluto.' 21Depois, todos os homens da cidade o apedrejarão e ele morrerá. Assim extirparás o vício do meio de vós. Todo o Israel o há-de saber e se encherá de temor.»

Onde se vê aqui que "glutão" e "bêbedo" insinuavam a bastardia?


Para terminar, deixem-me dizer que, com este livro, descobri um poema lindíssimo e cheio de significado: O Servo sofredor, de Isaías.

Citação:
Isaías 53
1*Quem acreditou no nosso anúncio?
A quem foi revelado o braço do SENHOR?
2O servo cresceu diante do SENHOR como um rebento,
como raiz em terra árida,
sem figura nem beleza.
Vimo-lo sem aspecto atraente,
3desprezado e abandonado pelos homens,
como alguém cheio de dores,
habituado ao sofrimento,
diante do qual se tapa o rosto,
menosprezado e desconsiderado.
4*Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças,
carregou as nossas dores.
Nós o reputávamos como um leproso,
ferido por Deus e humilhado.
5Mas foi ferido por causa dos nossos crimes,
esmagado por causa das nossas iniquidades.
O castigo que nos salva caiu sobre ele,
fomos curados pelas suas chagas.
6*Todos nós andávamos desgarrados
como ovelhas perdidas,
cada um seguindo o seu caminho.
Mas o SENHOR carregou sobre ele todos os nossos crimes.
7*Foi maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca,
como um cordeiro que é levado ao matadouro,
ou como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador.
8Sem defesa, nem justiça, levaram-no à força.
Quem é que se preocupou com o seu destino?
Foi suprimido da terra dos vivos,
mas por causa dos pecados do meu povo é que foi ferido.
9Foi-lhe dada sepultura entre os ímpios,
e uma tumba entre os malfeitores,
embora não tenha cometido crime algum,
nem praticado qualquer fraude.
10Mas aprouve ao SENHOR esmagá-lo com sofrimento,
para que a sua vida fosse um sacrifício de reparação.
Terá uma posteridade duradoura e viverá longos dias,
e o desígnio do SENHOR realizar-se-á por meio dele.
11Por causa dos trabalhos da sua vida verá a luz.
O meu servo ficará satisfeito com a experiência que teve.
Ele, o justo, justificará a muitos,
porque carregou com o crime deles.
12Por isso, ser-lhe-á dada uma multidão como herança,
há-de receber muita gente como despojos,
porque ele próprio entregou a sua vida à morte,
e foi contado entre os pecadores,
tomando sobre si os pecados de muitos,
e sofreu pelos culpados.



Abraços

Cassima



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