"Era mesmo isso que queria dizer - acabar com o santuário e deitar tudo abaixo -. A basílica representa o santuário e tudo o que de abominável se passa nele e à volta dele. "

Caro Epafras,

Já te imagino, manobrando com destreza e devoto ardor o camartelo, a derrubar a nova e a velha basílicas de Fátima, a revolver e a estraçalhar o recinto do santuário e a demolir tudo o que de "abominável" ali foi construído!... Fá-lo-ias, certamente, com piedoso propósito e com o mesmo que zelo com que Saulo perseguiu os cristãos, antes de cair do cavalo na estrada de Damasco. Mas, se o fizesses, não te queria estar na pele - e explico brevemente porquê.

O meu avô, que era pobre, cristão e pedreiro, terminada a 1ª Guerra Mundial, a que teve a sorte de sobreviver, foi trabalhar nas obras do Santuário. Ao longo de 25 anos, ajudou a erguer a basílica, desde os alicerces até à torre, e todo o complexo dos edifícios mais antigos que constituem hoje o santuário de Fátima. Em cada pedra que escolheu, cinzelou, alinhou e assentou ia um pouco da sua alma de crente. Cada gesto do seu humilde ofício foi transformado em genuíno tributo de louvor a Deus. Se ele visse uns quaisquer zelotas a derrubar, ainda que com a melhor das intenções, a obra que lhe levou, a ele e a tantas almas pobres, simples e crentes como a dele, uma vida inteira a construir, garanto-te que sairia do túmulo e distribuiria generosamente murros por sobre os iconoclastas lombos de todos eles!

Quando ascendermos à glória celeste, não precisaremos de templos de pedra para contemplar e adorar a Deus. Mas enquanto por cá andarmos, qual o problema de construirmos edifícios apropriados para nos reunirmos e rezarmos em comunidade, se possível confortavelmente acomodados e num ambiente acolhedor? As igrejas, as pinturas, as estátuas, a música, enfim, tudo o que de belo a mão do homem sabe criar pode ou não ser instrumento de oração, de louvor e de aproximação a Deus?

Nem só de pão vive o homem. A Igreja que construiu as mais belas e sumptuosas catedrais, que veste paramentos vistosos, que usa cálices, píxides, patenas e custódias de ouro, para escândalo de tanta gente, é a mesmíssima Igreja que derrama abundantemente o seu amor por todo o mundo, através de milhares e milhares de instituições de solidaridedade, cuidando dos pobres, dos desvalidos, dos marginalizados, dos doentes, dos abandonados, dos maltratados, dos explorados, dos excluídos, dos sem voz.

Os templos de pedra mais não são do que o reflexo dos templos ocultos que há no coração dos homens. Será por isso que hoje se constróiem mais shoppings e mais estádios e outros edifícios de lazer do que catedrais? Cristo derrubou as tendas dos vendilhões, mas chorou ao prenunciar a destruição do Templo de Jerusalém. Não consta que haja condenado a construção das várias sinagogas onde tantas vezes entrou para orar e ensinar. E elogiou a viúva pobre que entregou no Templo a última moeda que lhe restava (podia, em vez, tê-la guardado para matar a fome).

Nunca te sentiste extasiado, comovido e mais próximo de Deus no interior de uma igreja, seja ela a austera ermidinha que a fé dos simples ergueu no cimo de um monte, ou uma dessas magnificientes catedrais góticas que existem um pouco por toda a Europa?

Como diz muito bem a nossa amiga Lena "nem tanto ao mar nem tanto à terra". Com um pouco de lucidez e de bom senso, é possível construir os templos que forem necessários, com a beleza e conforto possíveis, sem se cair no desperdício, na ostentação ou na afronta aos que são mais pobres, que são, curiosamente, os que mais costumam contribuir para a construção das novas igrejas, dando do seu próprio bolso, por vezes com grande sacrifício.



Editado 1 vezes. Última edição em 01/11/2007 23:54 por Ovelha Tresmalhada.

Ovelha,

belo texto, e lê-lo agora me fez bem.

[]'s

Caro Ovelha Tresmalhada

Excelente texto!

E quanta razão tens quando referes que os mais pobres são aqueles que mais contribuem para a feitura dessas obras. Feitas as devidas ressalvas, lembro-me da igreja da minha terra que foi construída há uns séculos pelo povo, que tinha uma vida bem mais sofrida naqueles tempos mas levou a obra a bom termo.

Abraços

Cassima

Firefox e Cassima,

Sensibilizado pela vossa gentil reacção ao que escrevi, e que me serviu de precioso pretexto para reavivar a memória do meu querido avô,tomo a liberdade de transcrever aqui um excerto do artigo do Padre Anselmo Borges, no Diário de Notícias de hoje, precisamente sobre a questão da nova Basílica de Fátima:

"(...) Mas também não tenho uma visão miserabilista da existência. O Homem não vive só de pão. Depois, quem pagou são os peregrinos, que têm direito a algum conforto. Que dizer do desperdício do excesso de estádios de futebol vazios?

Acima de tudo, foram convocados artistas de renome, nacionais e estrangeiros, e o que resultou é simplesmente belo. Agora, Fátima é um conjunto harmonioso no seu todo, que alguém já comparou a um barco. Ah!, aquele Cristo crucificado no interior da igreja, meio selvagem, fixando, de olhos abertos, cada um: ele é a mensagem de convocação para a Vida e a Liberdade; aquela Virgem, finalmente uma
jovem rapariga airosa, de braços abertos acolhedores; aquele grande painel do presbitério, símbolo da Jerusalém Celeste: a esperança da Humanidade com Deus e a sua glória!

Jesus foi confrontado com o luxo de uma libra de perfume de nardo puro - o seu preço correspondia a um ano de salário - que uma mulher lhe derramou sobre a cabeça. Os discípulos ficaram indignados: "Para quê este desperdício? Podia vender-se por bom preço e dar-se o dinheiro aos pobres." Jesus respondeu que não faltariam oportunidades a quem lhes quisesse fazer bem.

A religião sem a beleza é inverdadeira. Sem o gratuito - a graça -, é uma desgraça.



Editado 1 vezes. Última edição em 10/11/2007 22:17 por Ovelha Tresmalhada.

Como matar sua Igreja
1. Não a freqüente, mas quando vc for lá, procure algo para reclamar. Com certeza vc sempre vai encontrar. Fique de olho. Explore isto.
2. Ao comparecer a qualquer atividade, dedique-se em encontrar falhas nos líderes. Veja se o Padre ou os coordenadores estão fazendo as coisas corretas. Se encontrar falhas fale, espalhe para os outros. Critique de verdade. Agora, quanto às coisas boas que fazem ou dizem, não comente nada, não elogie, fique na sua, em absoluto silêncio.
3. Sugira, insista e cobre a realização de cursos, palestras, encontros, reuniões, mas quando forem realizados, não se inscreva nem compareça.
4. Não faça mais que o absolutamente necessário; porém, quando o Pároco e seus auxiliares estiverem trabalhando com boa vontade e interesse para que tudo corra bem, afirme que sua igreja está sendo dirigida e dominada por um grupinho.
5. Não leia os boletins de sua igreja; afirme que neles não há nada de interessante e que eles deveriam ser diferentes.
6. Se vc for convidado(a) para qualquer cargo, simplesmente seja esperto(a) e recuse. Alegue que vc não tem tempo e depois critique com a seguinte afirmação: "Essa turma quer sempre mandar na Igreja e eu sou uma pessoa "democrática". Sou diferente deles, eu me preocupo com os outros e com a Igreja.
7. Nunca aceite missão, compromisso ou incumbência alguma; lembre-se que é mais fácil criticar do que realizar.
8. Quando vc tiver qualquer problema de relacionamento com o Pároco, ou qualquer coordenador, procure vingar-se fazendo acusações e divulgando "erros" por eles cometidos. Não será difícil, pois esse pessoal está cheio de falhas humanas.
9. Após tudo isso, quando sua Igreja não tiver mais reuniões, boletins, encontros, trabalhos de evangelização etc., estufe o peito e diga: "Eu não disse que isso ia acontecer?".

Muito bom guia. Estou certo que é seguido por muitos.

O ponto 8 posso dizer que há pessoas que se dedicam a isso mesmo. Zangam-se com o padre, e depois fazem queixinhas maldosas e mentirosas aos superiores, só por vingança. Só porque não aguentam certas verdades.

"Ama e faz o que quiseres" - Santo Agostinho

"A história secreta da Igreja não se baseia em Concílios, doutrinas, cruzadas ou bispos e menos ainda em igrejas e catedrais, mas no conjunto de cristãos que rezam ao Pai através de Jesus Cristo, Seu filho: aquilo a que se pode chamar a tradição contemplativa, onde homens e mulheres
partilham um Lugar Sagrado"

Lugar esse que nada tem a ver com paredes ou templos...