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Como é sentir o calor???
Escrito por: firefox (IP registado)
Data: 20 de January de 2007 20:31

O texto abaixo tem tudo a ver com algumas discussões que tem surgido aqui no fórum, então lá vai. Trata-se de um belo artigo que foi publicado pela Revista Estudo Bíblico, do Instituto Teológico Franciscano (depois posso ver se acho um link). Abaixo seguem algumas partes do texto original:

Como é sentir o calor?

O filme “Cidade dos Anjos” relata a história do anjo protetor Seth que, encarregado de dar proteção aos mortais, acaba se apaixonando pela sua protegida, a doutora Meggie. Querendo experimentar a doçura da paixão, pula para dentro da realidade humana, mesmo sabendo que com isso perderia sua condição angelical e se tornaria igual aos mortais. Seth consegue ficar somente uma noite com sua amada: Meggie sofre um acidente e morre. O desespero não faz o ex-anjo cair no arrependimento, pois a lembrança do amor o ajuda a superar o terrível momento e olhar para frente com esperança. À pergunta de outro anjo: “Como é que é sentir o calor?”, Seth responde: “Maravilhoso! Prefiro ter sentido só por uma vez o calor, ter beijado só uma vez, que ter vivido a eternidade sem isso!”

O roteiro deste filme se baseia na história do anjo Lúcifer que, segundo o relato bíblico, por ter-se apaixonado pela mulher, cai para o mundo dos mortais se tornando demônio e ensinando todo tipo de maldade aos homens. Neste breve estudo, procuraremos reconstruir este mito, que tem vários paralelos na literatura bíblica, apócrifa e pseudepígrafa, nos mitos gregos, nos orientais e na literatura de Qumrã.

A pergunta que nos guiará será: por que a mulher, o sexo e o amor sexual são culpados pelos males que afligem a humanidade? O que motiva esta pesquisa é a busca por relações novas entre mulher e homem, sem medos e preconceitos. A Bíblia, além de livro sagrado, testemunha como se deu esta relação na história do povo de Deus. Em muitos casos os textos bíblicos, com suas formulações, serviram como fonte de opressão sobretudo das mulheres. Em outros casos, eles trazem a luta de muitas mulheres que não se conformaram com a triste realidade à qual eram submetidas. O texto bíblico também é produto de uma determinada cultura histórica, muitas vezes androcêntrica e patriarcal. Resgatar isso nos possibilita uma leitura libertadora, não só em relação à mulher, como também ao homem. Também nos oferece pistas de como velhos paradigmas, que só serviam para legitimar o poder de uns em cima de outros, podem ser superados, em favor da busca e da construção de novas relações de gênero entre mulher e homem.



1. O mito da queda de Lúcifer

A tradição do mito da queda dos anjos que dão origem aos demônios está presente na literatura bíblica, extrabíblica e do Oriente Médio. Para a Bíblia, trata-se de uma desobediência a Javé por parte de seres inferiores, os anjos. Podemos pensar que, no mundo bíblico, este mito servia para ridicularizar de maneira disfarçada as pretensões dos governantes helenistas que, de Alexandre o Grande em diante, “alegaram que descendiam dos deuses e de mulheres humanas, denominando esses seres híbridos de heróis”. Isso representava uma séria ameaça ao monoteísmo judaico.

A figura símbolo deste mito é Lúcifer. Este nome aparece pela primeira vez no livro do profeta Isaías: “Como caíste do céu, ó estrela d’alva, filho da aurora! Como foste atirado à terra, vencedor das nações! E, no entanto, dizias no teu coração: ‘Hei de subir até o céu, acima das estrelas de Deus colocarei o meu trono... Subirei acima das nuvens...’. E, contudo, foste precipitado ao Xeol, nas profundezas do abismo” (14,12-15). “O nome da personagem citada vem de uma raiz que significa ser luminoso, brilhante (em árabe, o hilal é a lua nova). O autor do poema refere-se, com certeza, a uma tradição mitológica: nos textos de Ugarit, o deus Attar (Vênus), concorrente de Baal, sofreu uma queda semelhante à de Helel, aqui (...). No mundo grego conhece-se o mito de Faeton (o brilhante), filho de Eos (a aurora). O mito de seres celestes decaídos, parece, portanto, ter sido amplamente conhecido no mundo mediterrâneo antigo, e a literatura judeu-helenística lhe dará novos desenvolvimentos.” O poeta latino Ovídio “menciona que cada novo dia começa quando ‘Lúcifer brilha radiante no céu, chamando a humanidade para seus afazeres diários. Lúcifer excede em brilho as estrelas mais radiantes’”. É fácil, portanto, identificar Lúcifer à estrela da manhã, o planeta Vênus, que aparece antes do alvorecer.

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2. A mulher demonizada

Já vimos como, nos textos mais antigos, a queda dos anjos é motivada pela paixão pela mulher (Gn 6,1 e 1Enoque VI). Mas: por que a mulher? E, quem teria interesse em culpá-la por isso?

2.1 A sexualidade como domínio.

É interessante o texto de Gn 3,1-7, por falar, simbolicamente, da dominação pela sexualidade:

“A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Javé Deus tinha feito. Ela disse à mulher: ‘Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do jardim’? A mulher respondeu à serpente: ‘Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de morte’. A serpente disse então à mulher: ‘Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal’. A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que essa árvore era desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o também a seu marido, que com ela estava, e ele comeu. Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueira e se cingiram.”

A dúvida que este texto levanta tem a ver com o final: os dois percebem que estavam nus. É a descoberta da sexualidade como reciprocidade, mas também como fator de dominação. A serpente é um símbolo de dominação: seu culto era bastante difuso no norte do Estado de Israel. “Trata-se de cultos de fertilidade. E este tipo de prática religiosa desenvolve simultaneamente uma maior produção e uma maior tributação, um aumento de arrecadação do Estado. Pelo culto da fertilidade, os pobres são incitados a produzir e reproduzir mais e, ao mesmo tempo, a entregar parcelas maiores de seus produtos”. Cobrir as genitálias, as dores de parto, o desejo que leva à dominação, a hostilidade da mulher com a serpente (Gn 3,15-16): tudo isso é confirmação do projeto de dominação que a serpente representa. Ela é astuta (é símbolo também de sabedoria), e pode enganar. Pela sexualidade pode-se enganar, também! E a mulher, não por ser mais fraca, mas por estar mais ligada à geração da vida, é mais exposta que o homem a este engano.

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A serpente está relacionada à sexualidade e à sedução. É uma elaboração cristã, que oferece uma imagem preconceituosa da mulher e da sexualidade. “Comer o fruto” é uma transgressão, uma desobediência que traz como conseqüência a percepção da sua nudez, qualificada como vergonha e feiúra: há uma clara condenação da sexualidade feminina! Isso pode representar uma tentativa de controle da sexualidade da mulher e, pela sexualidade, exercer o domínio sobre ela. É extremamente interessante que a mulher destes textos é muito ativa e protagonista, mas é, por outro lado, definida como fraca, sendo representada na mesma imagem da serpente/Satanás, e acusada de desobediência e transgressão. Não seria uma tentativa de abafar a força e o protagonismo da mulher, na afirmação de que sua sexualidade é negativa, transgressora, vergonhosa e feia? Se isso for verdade, devemos pensar no sistema de dominação patriarcal, cujo símbolo é a serpente, reafirmado e reforçado pelo cristianismo posterior.


(continua...)



Editado 1 vezes. Última edição em 20/01/2007 20:37 por firefox.

Como é sentir o calor???
Escrito por: firefox (IP registado)
Data: 20 de January de 2007 20:33

(...continuação)

2.2. A mulher perigosa.

Se à mulher se atribui a culpa e as conseqüências do pecado, ela é perigosa. Lemos em Eclesiástico 25,24: “Foi pela mulher que começou o pecado, por sua culpa todos morremos!”, e seguem todos os conselhos para o homem se proteger da mulher!

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Por que a mulher é descrita deste modo? O pecado aqui condenado é o sexual, mas também o desvio do reto caminho, a rebeldia contra Deus, o abandono das normas da lei, etc. Podemos ler estes textos à luz do Código de Pureza (Lv 11–16) pelo qual a mulher é considerada impura e uma ameaça à pureza dos homens. Entendemos por que a comunidade sectária dos Essênios, preocupada com a rígida observância das normas de pureza legal, está com tanto medo da mulher, até exigir dos seus seguidores, pelo menos por um certo tempo, a lei celibatária.

Mas podemos ler os mesmos textos à luz também de livros como Eclesiastes, que assim fala da periculosidade da mulher:

“Descobri que a mulher é mais amarga que a morte, pois ela é uma armadilha, seu coração é uma rede e seus braços, cadeias. Quem agrada a Deus dela escapa, mas o pecador a ela se prende. Eis o que encontro – diz Qoelet – ao examinar coisa por coisa para chegar a uma conclusão: estive pesquisando e nada concluí. Entre mil encontrei apenas um homem, porém, entre todas as mulheres, não encontrei uma sequer. Eis a única conclusão a que cheguei: Deus fez o homem reto, este, porém, procura complicações sem conta” (7,26-29).

Quem escreve é o homem, preocupado com a mulher. Mas, qual a ameaça que esta mulher representa para ele? A mulher de Eclesiastes é a que vê e não fica calada, denuncia com vigor a ideologia do império, seu modo de produção, sua “sabedoria”, sua visão de Deus e do templo, e propõe um projeto alternativo a partir da casa e das necessidades cotidianas da vida. Ela se torna perigosa por desvendar com grande coragem o terrível sistema de opressão e injustiça que dominava a sociedade do tempo, prejudicando sobretudo os mais fracos, entre eles as mulheres. Sua análise crítica desestrutura e deslegitima a ideologia de dominação. Ouvi-la é rejeitar o império e seus métodos de dominação, é assinar embaixo sua própria condenação. Na visão de muitos, sobretudo dos homens, isso não era conveniente, mas muito perigoso: por isso tal mulher era tachada de demoníaca, e devia-se fugir dela!

Na mesma linha, também o NT fala da periculosidade da mulher que vai contra o sistema vigente. A Primeira Carta aos Coríntios traz uma passagem bastante obscura, mas que se clareia à luz dos textos até aqui propostos. Diz o texto: “Sendo assim, a mulher deve trazer sobre a cabeça o sinal da sua dependência, por causa dos anjos” (11,10). Paulo está discutindo sobre a boa ordem nas assembléias e a afirmação central é que a mulher deve estar submissa ao homem: “Quero que saibais que a cabeça de todo homem é Cristo, a cabeça da mulher é o homem, e a cabeça de Cristo é Deus” (11,3). A preocupação de Paulo com a ordem nas assembléias é típica do tempo e reflete a preocupação dos homens com suas casas. Os chamados “códigos domésticos”, presentes em todo o NT (Cl 3,18–4,1; Ef 5,21-6,9; 1Pd 3,1-7), são uma adaptação da ética greco-romana do código doméstico patriarcal, que tinha como figura dominante o paterfamilias. Eles propunham a “aceitação, em nome de Jesus, de um status político-social de desigualdade e exploração”. As metáforas cabeça-corpo e esposo-esposa “se convertem em paradigmas do matrimônio cristão, que reforçam o modelo cultural patriarcal de subordinação na medida em que a relação entre Cristo e a Igreja não é, evidentemente, uma relação entre iguais, por ser a igreja-esposa submetida à sua cabeça, o esposo”. Portanto, a mulher deve estar submetida ao esposo.

Mas, além disso, no texto por nós citado, aparece outro problema: os cabelos da mulher! “Toda mulher que ore ou profetize com a cabeça descoberta desonra a sua cabeça (o homem, ndr); e é o mesmo que ter a cabeça raspada. Se a mulher não se cobre com o véu, mande cortar os cabelos!” Por que os cabelos da mulher representam um problema? Segundo a ética doméstica, “a mulher devia comportar-se sempre com modéstia e moderação, aparecer em público somente com seu marido, ser cuidadosa e precavida em suas palavras e evitar os adornos e o luxo excessivo”. 1Pd afirma a este propósito: “Não consista o vosso adorno em exterioridades, como no trançado dos cabelos, no uso de jóias de ouro...” (3,3).

Mas, o que os cabelos da mulher têm a ver com os anjos (1Cor 11,10)? Dizia um provérbio judaico que se a mulher soltava os cabelos e começava a rolar a cabeça em círculo, os anjos caíam do céu, pois eles são considerados sexualmente libidinosos (alusão a Gn 6,1-5). Na mentalidade greco-romana, soltar os cabelos é um gesto de profundo significado sensual: a mulher faz isso só diante do marido e na intimidade conjugal. Nas representações do matrimônio, a noiva geralmente tem véu na cabeça, que é tirado somente no quarto nupcial. No mundo oriental, até hoje a mulher se cobre com véu. O mistério está fortemente ligado à sexualidade: na Roma antiga, a libertinagem sexual consistia em violar três proibições: fazer amor antes do cair da noite (durante o dia era permitido só aos recém-casados); fazer amor sem criar um clima de penumbra no quarto (geralmente havia uma lâmpada que brilhava sobre os prazeres); e fazer amor com uma parceira que havia tirado todas as vestes (até as prostitutas, como está testemunhado numa pintura num prostíbulo de Pompéia, namoravam de sutiã). Segundo um ditado popular, “um homem honesto só teria oportunidade de vislumbrar a nudez da amada se a lua passasse na hora certa pela janela aberta”. Portanto, sempre há um véu que esconde e protege a intimidade, criando um ar de mistério. Tirar o véu é revelar o mistério, um gesto de profunda sensualidade à qual só o marido é admitido. Se feito em público, é provocação e desonra do marido. Ter véu é, portanto, sinal de respeito, mas sobretudo de dependência da mulher em relação ao seu marido. Por isso a mulher tem que andar coberta em público!

Complementando este pensamento, o perigo da mulher consiste no fato de a paixão amorosa ser considerada uma verdadeira escravidão para o homem. “A paixão amorosa é ainda mais temível, pois torna o homem livre escravo de uma mulher, e ele a chamará senhora e, como uma serva, lhe estenderá o espelho ou uma sombrinha. (...) Quando um romano se apaixona loucamente, seus amigos e ele mesmo consideravam ou que ele perdera a cabeça por uma mulherzinha devido a um excesso de sensualidade, ou que moralmente caíra em escravidão; e, dócil como bom escravo, nosso enamorado oferecia-se à sua senhora para morrer, se ela assim lhe ordenasse.”

Sendo assim, o homem deve se precaver de tamanho perigo representado pela mulher.

Finalizamos esta parte trazendo outro texto, de Apocalipse, que afirma que a condição de salvação é não ter se manchado com mulheres: 144.000 são os resgatados do Cordeiro. “Estes são os que não se contaminaram com mulheres: são virgens” (14,4). A mulher, aqui, não só contamina o homem, também pode ser a causa de sua perdição, portanto a condição para a salvação é a virgindade. É uma visão extremamente negativa da sexualidade e da mulher!

2.3. A mulher demonizada.

Depois de tudo o que temos visto, o passo para demonizar a mulher é pequeno. No Testamento de Jó, a mulher é colocada tão próxima do demônio que Satanás sai por detrás dela: “Virando-me (Jó, ndr), vi então Satanás. Lhe disse: ‘Vem aqui para frente e pára de te esconder. Por acaso, o leão mostra sua força na gaiola? Voa um pássaro quando está num cesto? Não é inútil isso? Para ti estou falando: sai para combater-me!’ Saiu, portanto, de trás de minha mulher” (27,1-7).

No NT, existem alguns textos que expressam esta mesma idéia:

– 1Tm 3,11: “As mulheres devem ser respeitáveis, não maldizentes (mé diabólous = não acusar ou caluniar), sóbrias, fiéis em todas as coisas”. Aplica-se aqui à mulher o mesmo verbo que está na raiz da palavra “diabo”. Isso não é por acaso. Já vimos como, segundo o padrão de comportamento doméstico, a mulher devia ficar calada (1Tm 5,13-14; Tt 2,8): “Da mesma maneira, vós, mulheres, sujeitai-vos aos vossos maridos, para que, ainda quando alguns não creiam na Palavra, sejam conquistados sem palavras, pelo comportamento de suas mulheres” (1Pd 3,1). Por isso, não só é inconveniente à mulher falar em público, quanto, ao falar mal dos outros, é duramente condenada. Assim é descrita a jovem viúva na mesma carta 1Tm: “Além disso, aprendem a viver ociosas, correndo de casa em casa; não somente elas são desocupadas, como também bisbilhoteiras, indiscretas, falando o que não devem” (1Tm 5,13); e mais para frente: “Porque já existem algumas que se desviaram, seguindo a Satanás” (5,15). Além da submissão ao homem (ficar calada), há aqui o preconceito em relação à fala da mulher, considerada inútil, sem valor, danosa, portanto demoníaca.

– Ap 2,20-24: O autor do Apocalipse reprova a Igreja de Tiatira por causa da profetisa Jezabel e de sua doutrina. Se no século I d.C. era conveniente que a mulher ficasse calada, é bastante fácil entender como uma mulher, que se declara profetisa, seja motivo de conflito e por isso condenada. “Pois deixas em paz Jezabel, esta mulher que se afirma profetisa: ela ensina e seduz meus servos a se prostituírem, comendo das carnes sacrificadas aos ídolos. Dei-lhe um prazo para que se converta; ela, porém, não quer se converter da sua prostituição. Eis que vou lançá-la num leito, e os que com ela cometem adultério, numa grande tribulação, a menos que se convertam de sua conduta. (...) Quanto a vós, (...) os que não conhecem ‘as profundezas de Satanás...”. A comparação simbólica com a rainha Jezabel de 2Rs 9,22 é muito pesada, por aquilo que ela representava no imaginário popular. O ensinamento da profetisa Jezabel é condenado como obra de Satanás, e sua ação, que se realiza, segundo o autor, sobretudo pela sedução, seria obra típica do demônio. Com toda certeza, “a influência desta mulher profetisa parece ter sido bastante forte, a ponto de contrastar a de João, que não se atribui o título de profeta”[25]. Tratar-se-ia, portanto, de um conflito de poder: João sentiu-se ameaçado pela pregação desta mulher, que ele descreve como um demônio e compara à rainha Jezabel.

– O processo de demonização da mulher aparece também em Ap 9,8, no âmbito do combate escatológico: os gafanhotos “tinham cabelos semelhantes ao cabelo das mulheres”. Os gafanhotos, que representam aqui as hostes de Satanás, têm cabelos de mulher. Na Bíblia hebraica, cabelo comprido é sinônimo de força e de vitalidade: lembramos Sansão cuja força está nas sete tranças de sua cabeleira (Jz 16,13.19); Absalão, que cortava os cabelos só uma vez por ano (2Sm 14,25-26); os nazireus, que não podiam cortar seus cabelos e que parecem ter sido combatentes da guerra santa. Cabelos, como dentes, são símbolos de força! Parece que os soldados partos tinham longos cabelos. Mesmo que os gafanhotos da visão de Ap 9 representem os impérios invasores, destaca-se aqui a referência explícita aos cabelos das mulheres. Com certeza no imaginário do autor cabelos longos, força destrutiva, mulher e Satanás estavam ligados. Não é por acaso que na literatura apocalíptica, geralmente, quase que não se fala da mulher, e quando ela aparece é quase sempre descrita negativamente.

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A mulher é usada como símbolo de sedução e de todo tipo de abominação: por isso ela é relacionada ao demônio!



(continua...)

Como é sentir o calor???
Escrito por: firefox (IP registado)
Data: 20 de January de 2007 20:36

(... continuação)

3. Mudança de paradigmas

Os textos que temos lido testemunham como a tradição judaico-cristã tem-se caracterizado por uma visão negativa da mulher, do corpo, do sexo. Tradicionalmente, eles são vistos como pecado e, quando melhor, como instrumentos de procriação. Nesta visão, o sexo não possibilita relações justas entre mulheres e homens; mas se traduz na imposição de relações sociais e sexuais injustas, em práticas de violência contra as mulheres, e também contra os homens. A conseqüência deste processo é que as mulheres passam a depender dos homens, perdem suas identidades de pessoas, são consideradas objetos a ser tomados quando os homens quiserem.

Este processo leva à imposição de um esquema piramidal de poder, com a presença forte de um senhor ou de classes que dominam e regulam as relações, impondo e padronizando comportamentos. Na relação de gênero, isso se expressa no patriarcalismo e na afirmação da superiorioridade do homem em relação à mulher. A posse e o domínio do simbólico, a construção e manipulação do imaginário coletivo são de fundamental importância na manutenção e legitimação do poder, criando paradigmas que atuam na organização da sociedade. As dualidades: rico/pobre, capitalista/proletário, masculino/feminino, forte/fraco, normal/patológico, branco/negro, verdade/mentira, real/ilusório, ativo/passivo, heterossexual/homossexual, certo/errado, belo/feio, e outros, não passam de produto e expressão desta construção simbólica. A partir disso, desenvolvem-se dispositivos de controle, repressão, sistemas normativos, direitos e deveres, na tentativa de padronizar comportamentos e atitudes, com a conseqüência de criar novas formas de exclusão e marginalização. Assim, paradigmas seculares de dominação são continuamente re-criados e re-atualizados por grupos sociais, na busca de sua legitimação.

Vários tipos de instrumentos são usados para veicular e impor símbolos e imagens: desenhos animados, videogames, revistas em quadrinhos, filmes, novelas, mitos, etc. Tudo isso faz parte do instrumental necessário para o poder se manter, pois as instituições não se reduzem ao simbólico, mas elas só podem existir no simbólico.

Temáticas como a do maléfico complô ou da conspiração sagrada, do paraíso perdido ou da mítica comunidade perfeita de “paz e igualdade” dos messianismos revolucionários, assim como a construção da imagem da mulher pérfida, da bruxa infratora das normas constituídas, ou da imagem do “judeu diferente” ou do “demônio”, tudo isso é afirmação de certos modelos culturais e sociais, com conseqüente condenação de outros. O poder se mantém através disso!

O caminho que fizemos até aqui nos permite identificar, na literatura bíblica, judaica e cristã, um esquema de poder patriarcal, definido por Elisabeth Schüssler Fiorenza como Kiriarkado. Segundo este esquema de dominação, a sociedade necessita de um Kírios, um senhor, que administre e defina as relações sociais e de poder. Isso se traduz, na prática, nas imposições de relações de poder, em nível de classe, gênero, raça e etnia, como também na definição de comportamentos e na inibição de outros. A sexualidade e o corpo da mulher, dentro deste esquema, representam o campo de dominação do masculino acima do feminino. Opor-se a este padrão significa ser tachada de prostituta, seduzível e sedutora, dominada pelo desejo, fraca, perigosa, demoníaca, responsável pelos males que afligem a humanidade, e até da morte.

Não se trata simplesmente de preconceito sexual e cultural, como muitos, ingênua ou pretensiosamente, afirmam. É verdadeira e real imposição de um projeto sociopolítico incapaz de enxergar relações que não sejam de opressão, injustiça e exclusão.

Mudar de paradigmas é, portanto, necessário e urgente. Mas a partir de um diálogo teológico e político, que resgate o valor dos corpos, das mulheres e da sexualidade tanto feminina como masculina, na vontade de reler e reinterpretar as relações em conjunto, mulher e homem. Para superar os erros do passado e inaugurar uma nova fase, onde o bem, a felicidade e a realização do outro, e de ambos, física, psíquica, espiritual, seja prioritária e motivadora de novas relações coletivas de justiça.

“Como é que é sentir o calor?”: não se trata somente, portanto, de uma questão afetiva e sexual, mas de uma maneira nova de ser, mulher e homem, para que não seja mais necessário pensar em anjos a-sexuados e/ou... tentados pelas mulheres, mas para que se possa viver juntos a beleza, a intensidade e a plenitude da relação e da reciprocidade, sem medo um do outro.



Belíssimo artigo!



Editado 1 vezes. Última edição em 20/01/2007 20:40 por firefox.

Re: Como é sentir o calor???
Escrito por: Epafras (IP registado)
Data: 20 de January de 2007 23:02

O que salta logo à primeira vista neste artigo, além dos erros de interpretação, é o carácter agnóstico do mesmo.

Um agnóstico diz que a Bíblia simplesmente representa a história do pensamento religioso hebreu e nada mais, um cristão sustenta que ela é a Palavra de Deus dada aos homens através de homens inspirados pelo Espírito Santo. O autor deste artigo trata a Bíblia precisamente como se de um agnóstico se tratasse.

Com fransciscanos destes, tão modernos, as franciscanas que se cuidem ou têm os dias contados.

Epafras

Re: Como é sentir o calor???
Escrito por: Lena (IP registado)
Data: 20 de January de 2007 23:10

Epafras

preferes a perspectiva tomista?

Quem eu conheci e admirava já cá não anda, pelos vistos morreu. Em breve serei eu. Melhor assim.

Re: Como é sentir o calor???
Escrito por: Epafras (IP registado)
Data: 20 de January de 2007 23:26

Cara Lena:

Desconheço o que é a perspectiva tomista

Epafras

Re: Como é sentir o calor???
Escrito por: Lena (IP registado)
Data: 21 de January de 2007 00:03

Imaginei que conhecesses o tomismo pq foi muito defendido por papas como o JPII
(ver enciclica Fides et Ratio). Não é mais que a moral da abstinência. rsrs

Como o nome indica, o "culpado" é Tomás de Aquino. Ele dizia coisas muito agradáveis sobre as mulheres:

Tomás de Aquino ecoa vozes antigas, mas não somente ecoa, por vezes as intensifica para esclarecer seu pensamento e para atacar aquilo que ele considerava de mais nocivo no sexo: mulher e prazer.
Na visão de Aquino (e na da muitos pensadores que foram antes dele e que vieram depois) a mulher não passava de um erro da natureza, era uma espécie de aborto, pois toda mulher era um homem que deu errado, um homem defeituoso. Isso devido uma razão básica e natural: aquele que gera deve gerar sempre algo a sua semelhança (assim como Deus fez) por isso o sêmen do homem deveria sempre gerar homens e não mulheres, mas devido a um erro natural o desastre acontecia.
Aquino chegou até a teorizar cientificamente essa idéia dizendo que o vento sul úmido tem mais água e é esse vento que ajuda na constituição das mulheres e devido à elas terem mais água têm uma tendência maior de se entregarem ao sexo e seus prazeres, mas isso não se dá com o homem que é sempre constituído pelo bom vento do norte que sempre estimula a força e as boas virtudes10.
As mulheres são classificadas como tendo o nível e o poder mental das crianças e dos doentes mentais, não podendo nunca, sob hipótese alguma, tomar decisões sobre questões importantes, ou exercer algum tipo de responsabilidade.
Apropriando-se sempre de Aristóteles, Aquino ganha mais força no seu ódio contra as mulheres quando é respaldado pelo Estagirita ao dizer que na concepção de um filho quem gera nunca é a mulher, mas sim o homem, sendo que a mulher apenas concebe (ou seja, recebe em si a semente vivificante do marido).
Ao se deparar com o texto bíblico de Gênesis 2:20 onde diz que a mulher foi criada por Deus para ser uma "Auxiliadora" do homem, Aquino rejeita ver neste verso uma declaração de igualdade entre os sexos, antes explica que a qualidade de auxílio dada por Deus à mulher refere-se somente ao ato de procriação com o homem, que não poderia procriar sozinho.
Mas mesmo sendo a mulher algo tão inútil e desprezível para Aquino, em sua visão, o casamento era indissolúvel. Para confirmar isso oferece duas razões básicas: A mulher sozinha não possui capacidade intelectual para educar os seus filhos, pois toda intelectualidade reside na mente racional do homem e a ele cabe a educação dos filhos, outra razão apresentada é que o homem é o governador da mulher, está sempre sobre ela e ela não pode viver, existir, sem um governador que a dirija.
O pensamento aristotélico também impulsiona Tomás em sua repulsa ao prazer sexual. Ele dizia que "o prazer sexual bloqueia por completo o uso da razão", "sufoca a razão" e "absorve a mente"11. O sexo acaba com o vigor mental!
Ele descrevia o prazer sexual e o sexo com as seguintes palavras: imundície, mancha, porcaria, torpeza e desonra. E Aquino o classifica assim para definir melhor a castidade como a mais bela das virtudes.
O casamento e o sexo são desculpados e permitidos, pois o casamento é um sacramento da Igreja, ou seja, recebe-se o perdão por meio dele por se praticar o sexo, mas dentro do casamento o sexo só pode ter duas finalidades: a reprodução como o maior de todos os objetivos, e a função de evitar o adultério entre o casal (se bem que o marido pode adulterar com a própria esposa se for um amante muito caloroso dela!)? O casamento só existe para que haja filhos no mundo. E não nos devemos admirar ao vermos que o Concílio do Vaticano II declarou que "muitas vezes a fidelidade pode entrar em crise, quando o número de filhos - pelo menos temporariamente - não puder ser aumentado" e nenhuma "solução imoral" (métodos anticoncepcionais) pode ser empregada12.
Para abrilhantar mais ainda seu raciocínio filosófico-especulativo, Aquino chega a calcular uma proporção da recompensa celestial a ser dada à humanidade levando o sexo em conta - 100% de recompensa para as virgens e os castos, 60% para os viúvos e 30% para os casados. Tudo em nome do celibato!
E, finalmente, para garantir o cunho lógico de suas argumentações, Aquino diz que tudo o que existe na natureza deve ser mais completo e perfeito no homem; ora, os animais só realizam o coito para efetuarem a procriação, não deveria ser assim com o homem, que pode decidir isso pela razão e não pelo instinto?


Quem eu conheci e admirava já cá não anda, pelos vistos morreu. Em breve serei eu. Melhor assim.

Re: Como é sentir o calor???
Escrito por: Chris Luz BR (IP registado)
Data: 22 de January de 2007 15:17

" Será que ele a escolheu realmente e a preferiu a nós?" Pergunta Pedro.

Re: Como é sentir o calor???
Escrito por: firefox (IP registado)
Data: 25 de January de 2007 22:48

Oi Lena,

Citação:
Lena
Como o nome indica, o "culpado" é Tomás de Aquino. Ele dizia coisas muito agradáveis sobre as mulheres

Infelizmente, o "problema" não veio com Tomás de Aquino. O nosso amigo Tomás foi somente mais outra vítima do sistema cultural machista que data de muito antes. O berço da Biblia mesmo, foi um sistema cultural profundamente machista e repressor da sexualidade feminina, as injustiças cometidas contra as mulheres, classificadas pelos judeus como seres de segunda categoria, eram muitas e bem conhecidas, algumas estão inclusive documentadas na Biblia. Ainda hoje as mulheres não tem muita vez em famílias de judeus ortodoxos. A mesma coisa acontece no islamismo, tb influenciado pela cultura bíblica, e profundamente machista e repressor da mulher. Na esteira do judaísmo, o cristianismo trouxe consigo essa herança pouco feliz do machismo enraigaido, embora já suavizado em parte pela açao redentora de Jesus.

Segundo uma famosa teóloga femista e católica, Uta Ranke-Heinemann, com a provável exceção de Jesus, nenhum outro homem na igreja cristã deu às mulheres o devido valor como pessoa em igualdade de direitos com relação ao homem. Sempre aparece um "porém". Essa teóloga não abre exceção nem mesmo para os apóstolos e documentou em livro uma relação de injustiças de envergonhar qualquer cristão - o livro lhe valeu uma condenação do Vaticano pelas mãos do Ratinzger: "Eunucos pelo Reino"

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Editado 1 vezes. Última edição em 25/01/2007 22:54 por firefox.



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