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Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 22 de June de 2005 16:08

O aparecimento desta questão noutro tópico parece-me uma boa oportunidade para lançar este tema como tópico autónomo, mesmo que o pouco tempo e a falta de engenho me indiquem que merecia uma melhor introdução… Fico-me por algumas ideias ao correr das teclas… Aqui vai, mesmo assim, e, como sempre, todos teremos oportunidade de pensar um pouco sobre estas questões tão velhas e tão actuais…

Mesmo sem entrarmos em grandes arrazoados filosóficos, convém notar que esta questão é eminentemente filosófica e tem levado à produção de montanhas de livros, desde a Antiguidade até aos dias de hoje.

De uma forma muito simplista, para o homem comum existe a ideia de que há dois modelos de verdade: uma, de tipo «objectivista», que defende que a verdade «existe aí», independentemente de mim e da minha percepção dessa realidade «objectiva», e outra, de tipo «subjectivista», que defende que toda a verdade é uma construção do sujeito («subjectum»), uma vez que o mundo real «é» aquilo que eu digo dele e isso é sempre uma construção. Os primeiros atacam os segundos de «relativistas», os segundos atacam os primeiros de ingénuos. Possivelmente, ambas as posições, nas suas formas mais típicas, assentam em falsos pressupostos (por exemplo, a dicotomia «sujeito-objecto»), que não vale a pena aqui analisar.

No que diz respeito à noção de verdade e à sua relação com o Cristianismo, vale a pena chamar a atenção para alguns aspectos. Um desses aspectos a ter em conta é que o Cristianismo «lida» com várias noções de verdade, cujas origens linguísticas podem ajudar a perceber do que se trata. Menciono as duas mais evidentes:

a) A noção grega de verdade como o «desvelar» de algo («alétheia»), uma noção recuperada na filosofia contemporânea por Heidegger (inicialmente «alétheia» significava recordação). A verdade como aquilo que se torna patente. A verdade acaba por ser o atributo de uma operação mental.

b) A noção bíblica de verdade como «o que é de fiar» («aman»), ligada às noções de fidelidade, firmeza e confiança («amen» = verdadeiramente, assim seja). Não se trata de uma operação mental nem de pensar que existe uma «verdade», antes que as coisas são verdadeiras porque Deus é «o» verdadeiro e n’Ele se pode confiar, não falhou nunca e há a esperança fundada de que não falhará. Isso funda-se numa Aliança de que a Lei é expressão.


É no contexto desta noção bíblica de verdade que Jesus pode dizer «Eu sou a verdade», isto é, a «Nova Lei», a nova Aliança entre Deus e a humanidade. Neste contexto o pecado não é o «erro cognoscitivo» (como o seria num «contexto grego») mas a infidelidade à Lei, à expressão do Amor de Deus para com os homens. É também neste contexto que se entende que Jesus diga: «A verdade vos fará livres». Um grego não podia entender esta frase. «Liberdade» está em oposição a «escravidão» e a referência ao êxodo e subsequente Aliança do Sinai é evidente.

É muito importante ter isto em conta, para evitar algumas confusões e também alguma retórica «oca» que se vê em certos contextos (eclesiásticos, ia a acrescentar). Quando se começa a discutir o tema da verdade e do relativismo, responde-se com o chavão «Cristo é a verdade», pretendendo com isso acabar a discussão. Ao usar este «chavão» salta-se indevidamente de nível, «ao gosto do freguês». É o perigo de não clarificar convenientemente os pressupostos com que se lida. Na verdade, a maior parte das vezes nem há consciência desses pressupostos. Também por isso é tão importante a filosofia para a discussão teológica.

Ou seja, não se pode responder a uma questão feita ao modo grego com uma resposta de modo semítico sem dar conta da passagem de «paradigma». Suspeito de alguma desonestidade (ou será ingenuidade?) o recurso de uma noção semítica para argumentar com ela como se fosse uma noção «à grega», normalmente para «impor uma verdade». Algo que é alheio ao pensamento bíblico.

Este tipo de discurso que mistura níveis pode ser muito problemático. É uma das justas críticas à «Fides et Ratio», que «homogeneíza» noções muito díspares de verdade (nisso se vê que não foi escrita pela mesma pessoa).

Obviamente, não tenho uma teoria sobre este tema, mas apetece-me arriscar algumas ideias, que precisam de amadurecer. Uma delas é que mais do que falarmos do abstracto «verdade», temos que admitir que há realidades verdadeiras e que o seu grau de verdade terá que ser visto em graus e níveis diferentes, não os misturando indiscriminadamente. Assim, não posso considerar como sendo do mesmo nível as seguintes «verdades»:

- Está calor quando escrevo estas linhas;
- A música que oiço é realmente bonita;
- O meu clube de futebol é de longe o melhor;
- O hidrogénio é formado por um electrão de carga negativa e um protão de carga positiva;
- A democracia é o melhor dos sistemas políticos;
- Matar por vingança é crime;
- Matar por vingança é pecado;
- Matar por vingança é mau;
- Morrerei algum dia;
- O sete é um número primo;
- O sete é o número da perfeição;
- É desejável a felicidade;
- Deus ama-me;
- Tenho alguém que me ama;
- Amo alguém;
- Esta mensagem já vai muito longa;
- A verdade é o contrário da mentira.

Não faço mais do que esboçar uma série de problemas…

Imagino que alguém, ao ler a lista de «verdades» que deixei acima comece a tentar classificá-las em «categorias» ou «tipos»... Mas que legitimidade têm tais «categorizações»? Que critérios? Não será um dos nossos problemas precisamente o de passarmos o tempo a espartilhar o que é uno, o ser humano?

Nasce daqui então uma questão importante: não será desejável uma teoria da verdade que salvaguarde a unidade da «verdade» e que inclua quer a noção grega, quer a bíblica, sem as forçar? Não é por falta de uma tal teoria que passamos o tempo a golpear o ar com questões que apenas entretêm, como a das «verdades imutáveis»? Voltamos ao velhinho problema dos pré-socráticos: se algo muda, também permanece... E o que é que permanece?

Voltando ao Cristianismo, é obviamente importantíssima a questão da verdade, com implicações em todos os campos da teologia e da prática religiosa. Deixo algumas dessas questões possíveis:

- Deus revela-Se?
- Como pode Deus – eterno, absoluto – revelar-Se, senão através de «mediações» temporais, culturais (limitadas, portanto)?
- Que significa dizer que Jesus é a revelação final para toda a humanidade?
- Que significado têm as outras religiões?
- Que grau de verdade têm as formulações dogmáticas da nossa fé?
- Que grau de verdade têm as formulações de índole moral por parte do Magistério?
- Que é mutável ou imutável na Liturgia?
- etc., etc…

Outra questão é a do relativismo. Que significa a tal «ditadura do relativismo»? Há um relativismo «salvável», que não caia no cepticismo? [É possível um «agnosticismo católico»?]

E, para finalizar: no meio de um «relativismo opinativo», mesmo dentro do Cristianismo, pode haver um critério válido? Se não há qualquer critério, pode-se falar ainda de Cristianismo? Como escapar do «vale tudo»? Se há critérios, quais são eles?



Repito esta última questão, sob outra forma e proponho que tentemos responder-lhe:

Que critério(s) último(s) de verdade sigo?»


É que é muito fácil dizer que não há verdades imutáveis, etc... Mas isso não sustenta uma vida. Há algo que nos guia. O quê?


Para começar já basta, não? ;-)

Alef

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: Moises (IP registado)
Data: 23 de June de 2005 02:22

Disse o então Cardeal Ratzinger na Homilia da Missa Pro Eligendo Pontifice acerca dos grandes desafios que o Futuro Papa teria de enfrentar:

"Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decénios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento... A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao colectivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar ao erro (cf. Ef 4, 14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar "aqui e além por qualquer vento de doutrina", aparece como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.

Ao contrário, nós, temos outra medida: o Filho de Deus, o verdadeiro homem. É ele a medida do verdadeiro humanismo. "Adulta" não é uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é uma fé profundamente radicada na amizade com Cristo. É esta amizade que nos abre a tudo o que é bom e nos dá o critério para discernir entre verdadeiro e falso, entre engano e verdade. Devemos amadurecer esta fé, para esta fé devemos guiar o rebanho de Cristo. E é esta fé só esta fé que gera unidade e se realiza na caridade. São Paulo oferece-nos a este propósito em contraste com as contínuas peripécias dos que são como crianças batidas pelas ondas uma bela palavra: praticar a verdade na caridade, como fórmula fundamental da existência cristã. Em Cristo, coincidem verdade e caridade. Na medida em que nos aproximamos de Cristo, também na nossa vida, verdade e caridade fundem-se. A caridade sem verdade seria cega; a verdade sem caridade seria como "um címbalo que retine" (1 Cor 13, 1). "

[www.vatican.va]

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 23 de June de 2005 13:27

Curioso que o Papa não tenha afirmado que "uma fé madura" e não relativista se

circuncreva ao fundamentalismo doutrinário e ao cumprimento rigoroso dos preceitos

normativo-dogmáticos ( tipo ir á missa todos os domingos, não usar contraceptivos,

rezar muitas jaculatórias diariamente, mortificar-se de preferência com cilícios,

etc...etc...), mas a algo radicalmente diferente, muito mais fluido e arriscado, porque

flexível, frágil, dinãmico - em suma ""relativo" - praticar a verdade na caridade, como

fórmula fundamental da existência cristã....

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: camilo (IP registado)
Data: 23 de June de 2005 14:48

Mas o cumprimento dos preceitos normativos é importante.
Até porque o relativismo torna facilmente as pessoas em juizes em causa propria e ninguem é bom juiz em causa propria.
Facilmente dirá eu dei-lhe um par de estalos para ele aprender a não fazer asneiras. Sendo que o outro achará que a suposta asneira era o comportamento correcto.

O marido pode achar moralmente muito correcto dar um par de estalos à mulher para proprio bem dela. pode até achar isso um acto caritativo.

Ou o ladrão pode achar que a vida foi injusta para com ele e que portanto ao roubar está a ressarcir-se das injustiças de que foi vitima.

Ser juiz em causa propria leva às maiores distorções. Realmente essa relatividade é muito frágil porque as pessoas tendem a autojustificar as suas escolhas. E com imaginação e treino podem encontrar-se quase sempre argumentos a favor de determinada escolha.

Jesus não disse que vinha abolir a lei mas leva-la à perfeição.

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 23 de June de 2005 15:09

Jesus até disse que vinha destruir a lei....
Ate´disse que a lei era para o hoemem e não o hoeme para a lei....
Acho até que foi crucificado por isso - era um desrespeitador da ortodoxa lei judaica, um subversivo... Nem respeitava o sábado!!!!!! Os fariseus é que eram aos cumpridores da lei....



Quanto á consciência da ilicitude dos actos individualmente praticados, quelquer sujeito, desde que imputável - ou seja, maior d eidade e no pleno uso das suas faculdades mentais - sabe que exercer Violencia sobre outro ser humano ou roubar, ou espancar a mulher é um acto ilícito e criminalmente sancionável...


Mas, repito - o papa, em nenhum momento falou em cumprir a Lei.....
Falou na amizade com Jesus..

Ora a amizade , como o Amor, não resulta de nenhuma imposição legal....

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: camilo (IP registado)
Data: 23 de June de 2005 19:17

há muitos pais que acham dar umas palmadas nos filhos é um dever moral necessário para os educar. Também há quem julgue o mesmo em relação à mulher.

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: catolicapraticante (IP registado)
Data: 23 de June de 2005 19:39

Ou são inimputáveis ou são criminosos.

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: Aristarco (IP registado)
Data: 23 de June de 2005 23:08

Onde é que Jesus disse que vinha para destruir a Lei???

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 24 de June de 2005 01:26

• «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição» (Mateus 5:7).

• «A Lei e os Profetas subsistiram até João; a partir de então, é anunciada a Boa-Nova do Reino de Deus, e cada qual esforça-se por entrar nele» (Lucas 16:16).

• «Ouvistes que foi dito aos antigos [...]. Eu, porém, digo-vos [...]» (Mateus 5, passim).

• «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?» Jesus disse-lhe: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas» (Mateus 22:36-40).

• «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. O Filho do Homem até do sábado é Senhor» (Marcos 2:27-28).

• «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei» (João 13:34).

• «O amor não faz mal ao próximo. Assim, é no amor que está o pleno cumprimento da lei» (Romanos 13:10).

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: camilo (IP registado)
Data: 24 de June de 2005 02:43

Não são inimputáveis nem criminosos. Têm uma cultura diferente, uma vivência diferente.

Ora se aderirmos ao relativismo, em que o homem procura ser ele a determinar o bem e o mal, e este foi o pecado original, e não aceitar da vontade divina a bondade ou maldade de determinado acto, então veremos que muitas culturas consideram como actos bons aquilo que noutras é um crime hediondo.

Os mandamentos orientam o homem no seu discernimento daquilo que é bom e mau. A lei não foi abolida mas levada à perfeição em Cristo. Em Jesus Cristo, na sua vida, podemos ver como devem ser vividos e interpretados esses mandamentos. Vemos em Cristo que devemos viver esses mandamentos como um serviço a Deus e ao próximo, uma doação feita em amor.

Seguir os mandamentos apenas com as proprias forças não é facil, a carne é fraca. Para conseguir levar a cruz devemos leva-la com Jesus, então a cruz é leve. Quero com isto dizer que o cristão não deve presumir das suas forças para procurar o caminho do bem, pelo contrario deve ser assiduo à eucaristia dominical, em Jesus sacramentado terá forças para ser fiel, para conseguir discernir o bem e o mal, sem egoismos, seguir o bem com amor e preserverança.

O cristão é chamado a superar o cumprimento rigoroso dos preceitos normativos-dogmaticos não para os abandonar, deixar de ir à missa todos os domingos, mas para continuando a cumpri-los superar em amor esse cumprimento, ir para além do cumprimento minimo desses preceitos.

Contentar-se em cumprir esses preceitos normativos lembra-me a mentalidade farisaica, dos antigos judeus.
Procurar seguir a lei de amor cristã sem os cumprir parece-me um erro.
Por um lado facilmente o nosso fragil entendimento se turvará e tomaremos decisões erradas. Por outro não creio que sem o apoio de Jesus presente na Eucaristia seja capaz de os seguir com preserverança.

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 24 de June de 2005 02:49

Caros amigos:

Desta vez deixo uma mensagem curtinha ;-) apenas para focar um aspecto.

Depois da minha mensagem inicial, o Moisés – afinal existe! ;-) – colocou aqui dois extractos da homilia do Cardeal Ratzinger na Eucaristia Pro Eligendo Pontifice, sem qualquer comentário. Não tenho necessariamente que adivinhar comentários omissos, mas possivelmente estes textos não vêm por acaso. Na minha mensagem inicial disse que é muito perigoso pretender acabar a discussão sobre o problema da verdade no Cristianismo com o «chavão» «Cristo é a Verdade». E expliquei porquê. Poderá alguém dizer que estou a atacar o próprio Papa. Bem, o então Cardeal pronunciava uma homilia e uma homilia é em si mesma um tipo especial de discurso, que em certos aspectos goza de maior liberdade de linguagem. Não pode ser uma aula, nem um tratado teológico, da mesma forma que uma aula, um tratado teológico ou uma discussão teológico-filosófica não pode ser uma homilia. Portanto, embora seja legítimo extrair de uma homilia elementos teológicos (e ai das homilias que não os tiverem), há que ter sempre em conta o nível do discurso. E, de novo, não misturá-los.

Mas daqui sai um elemento que queria propor brevemente à vossa consideração. Por que razão à pergunta sobre «a» Verdade não basta responder que «a» Verdade é Cristo? Pela «simples» razão de que a «Verdade-Cristo» chega-nos sempre através de mediações. Não temos acesso ao «Cristo quimicamente puro»… Sim, Cristo é «'a' Verdade», mas, é-o essencialmente no sentido bíblico, sentido que já apresentei brevemente na primeira mensagem. A verdade ao modo grego é um «modo» conceptual, lógico (no sentido de ligado a um «logos»!) e cada época, cada «teo-logia» (hífen intencional), apresenta um «logos» diferente. Mais: cada evangelista tem também o seu próprio «logos»!

Quer isto dizer que não custa muito dizer que «Cristo é que é a Verdade», e todos os teólogos de todos os tempos concordarão com isso, mas quando se pergunta o que é que isso realmente significa, muitos teólogos terão respostas muito diferentes, e todos eles serão cristãos e católicos igualmente sinceros… Pensem em Karl Rahner e em Urs von Balthasar... Para todos Cristo é a Verdade, mas na hora de «traduzir» isso, então aparecem muitas mediações: a linguagem, a cultura, história… Basta olhar um pouco de perto a história do dogma… Estamos ou não de acordo que a «Verdade-Cristo» diz-se de muitas maneiras?

Entre outras consequências, isto deve levar-nos a ter uma atitude muito humilde, a de que a «Verdade-Pessoa-de-Jesus» não é algo que alguém possua ou detenha, mas encerra em si uma relação pessoal. Não abarcamos Jesus e o seu Reino, mas estamos TODOS a caminho de um encontro mais profundo. Um encontro que implica também uma mudança dos nossos «lógoi», dos nossos conceitos acerca de Deus e dos nossos modos de pensar. «Metanoia» é a palavra que traduz precisamente esta ideia de conversão de «lógica», de modo de pensar... Temos muito que aprender. Inclusivamente teremos de ter a consciência que muitas das nossas concepções de Deus têm muito de idolatria… Porque queremos reduzir Deus àquilo que pensamos que Ele é e é enorme a tentação de impor isso aos outros…

[Mas fica a questão do(s) critério(s) que seguimos, como realcei na minha pergunta da primeira mensagem. Alguém se arrisca a esboçar uma resposta?]

Alef

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: camilo (IP registado)
Data: 24 de June de 2005 03:14

Eu não sou muito dado a filosofias mas atrevo-me a esboçar algo que me parece repetitivo.

Cristo é a Verdade.

Mas sendo a verdade imutável e independente do observador este não a apreende de forma perfeita. Até porque Cristo sendo Deus é infinito e nós profundamente limitados. Limitados e pecadores apreendemos apenas parte da verdade e deturpamo-la com facilidade.

Há critérios para evitar isso? Se Cristo é a Verdade devemos seguir os critérios que Ele nos deixou.

A começar pelos Evangelhos, pelo colegio apostolico, pela Igreja, o magisterio papal, os mandamentos. Sendo que a Igreja feita de homens também erra nas decisões diarias mas na essência da sua doutrina não erra. Pelas palavras de Cristo "Aqueles a quem perdoardes os pecados ficarão perdoados...", a Pedro "Aquilo que ligares na terra" e ainda "confirma os teus irmãos". (cito de memória, posso ter algum erro nas citações)

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: Moises (IP registado)
Data: 24 de June de 2005 03:18

Na Linha do Alef, aconselho a leitura da missa da Vigilia de São João baptista. Lucas 1, 5-18.
No Versiculo 6, descrevendo a situação dos pais de São João Baptista, diz o autor sagrado:
"Ambos eram Justos diante de Deus, e de modo irrepreensivel seguiam todos os mandamentos e leis do Senhor"
A forma como tal é apresentado, reveste-se de cariz laudatorio, eram irrepreensiveis, cumpriam a Lei.
Convem esclarecer este ponto.
A minha ausencia de comentário ao que o então Cardeal Raztinger disse, prende-se com uma concordancia no essencial.
Há dias ouvi um padre contar que tinha recebido uns noivos, para casar. O Noivo era fisico, e a dada altura teria dito ao padre que não o invejava. Porque se um dia uma pessoa ouvisse na televisão que um cientista americano tinha descoberto a cura para a calvicie, toda a gente acreditava. Se o padre pregar algo na Igreja é a opinião do padre. Os criterios de validade para o senso comum das pessoas não é a verdade em si mesma, porque a grande maioria das pessoas não se dá ao trabalho de a procurar, procura ja a papinha feita e pronta a deglotir, daí o criterio televisão, cientista, americano como criterios para o comum das pessoas.Basta ver o que aconteceu no Iraque. A televisão, americana mostrou.... disse.... ergo é verdadee toca a invadir aquilo.
Jesus Cristo é verdade, não porque eu queira, ou até nem queira. É porque é a Palavra viva do Pai, e Deus não mente.
Compreendo e aceito que as teorias sejam confortaveis para algumas pessoas. Não dão segurança, hoje é aceite, amanhã é posta em causa.
Toda a teoria da relatividade de Einstein é muito linda, resolve muita coisa, cria outros problemas, mas é uma teoria.
Como não conseguimos criar Warmholes, ficamos á espera de um dia alguem surgir com uma teoria mais interessante.
Carl Gustav Jung dizia "Vocatum atque non vocatum Deus adherit"- Chamado ou não chamado, Deus permanece.
Sinto-me seu discipulo aqui.

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: Alef (IP registado)
Data: 25 de June de 2005 16:28

«Pensar incomoda como andar à chuva...» (Alberto Caeiro).

Mas dada a seca presente, até valeria o «sacrifício»... ;-)


Aqui fica mais uma pequena «provocação» que se insere na temática deste tópico.

O âmbito da ética ou da moral é certamente um daqueles onde se vêem mais tensões entre «objectivistas» e «subjectivistas» ou entre «dogmáticos» e «relativistas» (limito-me aqui a citar os «rótulos» habituais, possivelmente injustos).

• Uns falam de uma lei objectiva, de uma «moral natural», de «lei natural», que será a «bitola» para o agir moral de todos os seres humanos.

• Outros contestam tal ideia, dizendo que a «lei natural» é apenas uma construção racional de tipo ocidental e datada no tempo, pelo que não é possível estabelecer critérios de moralidade universais...

Este problema pode ser visto desde a perspectiva dos valores. Há valores universais? São realidades objectivas que se «descobrem» ou meras construções humanas?

E antes que apareçam posições demasiado a quente, aqui ficam duas questões derivadas:

- Se há valores universais, por que razão de facto só são «universais» para alguns? Ou, de outra forma: que critério me permite ver que é universal determinado valor, quando vejo que ele não existe ou é secundarizado noutra cultura? Com que critério se decide a sua universalidade?

- Se NÃO há valores universais, como podemos discutir posições ou decisões éticas? Ou, de outra forma, exemplificando: que autoridade tenho eu para criticar a China por desrespeitar os direitos humanos, quando os responsáveis chineses dizem que essa coisa dos direitos humanos é uma ideologia ocidental? Ou ainda, mencionando o exemplo de outro tópico, na ausência de critérios universais, que fundamentos existem para dizer que é melhor um sistema que não recorra à pena de morte?

Alef

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: Albino O M Soares (IP registado)
Data: 25 de June de 2005 21:58

Sobre a verdade em Jesus Cristo, sempre me impressionou que, frente a Pilatos, tenha dito apenas: "eu vim para dar testemunho da verdade". Jesus dá testemunho da verdade, mas decididamente não sabe tudo. Não sabe, por exemplo, quanto os ditos seus seguidores (ao mais alto nível), se transformariam em brutais contra-testemunhos da sua mensagem. Não sabe, ou não disse, que a Terra gira em volta do sol, o que nos teria poupado o tenebroso espectáculo da perseguição contra tanta gente do calibre de Galileo. Mas os seus Mandamentos, esses sim são imutáveis e estranhamente nunca são ensinados como um todo: "Sede misericordiosos como o Pai do Céu é misericordioso" "amai os vossos inimigos" "fazei aos outros o que quiserdes que vos façam a vós" etc. Em Jesus Cristo temos o relativo da sua condição humana e o absoluto da sua relação filial com Deus. E se há um só Deus, Criador do Céu e da Terra teremos de encontrar as pontes para esse Deus. Para um Cristão essa ponte é Jesus Cristo, para um Muçulmano é Maomé. Como cristão acredito que em Jesus Cristo, está presente o Homem na dimensão em que Deus quer, o Filho do Homem, como Jesus diz, que há-de governar pelos séculos dos séculos.

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: camilo (IP registado)
Data: 08 de July de 2005 02:48

tirado de um dos raros blogs que leio ocasionalmente:

[terradaalegria.blogspot.com]

Os limites do homem (4): a razão e a Fé.
(as partes entre aspas e em bold do texto que se segue são palavras do Cardeal Ratzinger - este post, tal como alguns posts anteriores, e tal como o próximo post, é baseado nessas palavras; o próximo post será aliás o último post desta série de cinco posts sobre as palavras que o Cardeal Ratzinger proferiu em Abril de 2005, pouco tempo antes de se tornar o Papa Bento XVI)

O texto que aqui postei a semana passada terminava com uma questão. O cardeal Ratzinger perguntava:"Será que com isto pretendemos rejeitar simplesmente o iluminismo e a modernidade?"
Eis a resposta:
"Não, absolutamente. O cristianismo, desde o início, compreendeu-se a si mesmo como a religião do logos, como a religião conforme à razão."
Porque a religião não é incompatível com a razão. A religião é um mero complemento da razão. Cristo apareceu para revelar a Verdade. Uma verdade que não é acessível apenas pela razão. Uma verdade que não é acessível apenas através de uma razão "passiva" mas que exige opções, escolhas, liberdade.

"O cristianismo, como religião dos perseguidos, como religião universal, acima dos vários Estados e povos, negou ao Estado o direito de considerar a religião como uma parte do sistema estatal, postulando assim a liberdade da fé. Sempre definiu os homens, todos os homens sem distinção, como criaturas de Deus e imagem de Deus, proclamando como princípio a sua igual dignidade."
O iluminismo, que surgiu muito depois do cristianismo é um simples reflexo do cristianismo. E o seu erro supremo foi simplesmente a causa e consequência do modo como nasceu: ele foi uma reacção à falta de humildade da Igreja e mimetizou essa falta de humildade.
"O iluminismo é de origem cristã e nasceu, não por acaso exacta e exclusivamente no âmbito da fé cristã. Nasceu lá onde o cristianismo se tornou infelizmente, contra a sua própria natureza, uma tradição e religião de Estado. Apesar da filosofia, entendida como procura de racionalidade – também da nossa fé –, ter sido sempre apanágio do cristianismo, a voz da razão tinha sido demasiado domesticada. Foi e é mérito do iluminismo ter proposto novamente estes valores originários do cristianismo e ter dado novamente à razão a sua voz própria. O Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Igreja no mundo contemporâneo, evidenciou novamente esta profunda correspondência entre cristianismo e iluminismo, procurando chegar a uma verdadeira conciliação entre Igreja e modernidade, que é o grande património que deve ser tutelado por ambas as partes."

E agora que chagámos à conclusão que o erro e o pecado (tal como o Bem) fazem parte da natureza humana e se encontram por toda a parte, em "nós" como "neles", que fazer?
"É preciso que ambas as partes reflictam sobre si próprias e estejam prontas a corrigir-se.O cristianismo deve lembrar-se sempre que é a religião do logos. O cristianismo é fé no Creator spiritus, no Espírito criador, do qual provém todo o real. É justamente esta fé que deveria ser hoje a sua força filosófica, pois o problema é se o mundo provém do irracional – e portanto, se a razão não é outra coisa senão um “subproduto”, talvez prejudicial, do seu desenvolvimento - ou se o mundo provém da razão – e se por conseguinte esta é o seu critério e a sua meta.A fé cristã tende para esta segunda tese, tendo assim do ponto de vista puramente filosófico, muito boas cartas para jogar, embora seja a primeira tese a que hoje é considerada por muitos como a única “racional” e moderna. Mas uma razão que brota do irracional e que, no fim de contas, é ela própria irracional, não constitui uma solução para os nossos problemas. Somente a razão criadora, e que se manifestou como amor no Deus crucificado, pode verdadeiramente mostrar-nos o caminho."

Timshel

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: JMA (IP registado)
Data: 13 de July de 2005 08:17

Excelente texto de Ratzinger, que eu desconhecia.

A bizantina reacção da Igreja contra o modernismo e o iluminismo que afastou gerações de pensadores, só tem de ser condenada.

Infelizmente o erro existiu dentro da Igreja, perdurando por muitos anos. É bom tirarmos lições da história, pois se errar todos erram, já persistir no erro é, no mínimo, sinal de estupidez.

Kant não diria melhor (e, na realidade, diz essencialmente o mesmo, descontando os séculos que nos separam).
"Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: O céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim" - Crítica da Razão Prática, A288

"São" Kant, ora pro nobis...


João (JMA)

Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: camilo (IP registado)
Data: 20 de April de 2006 01:33


Re: Cristianismo, verdade e relativismo
Escrito por: Chris Luz BR (IP registado)
Data: 26 de April de 2006 01:03

Quando mais falta " amor " mas leis são impostas.
Uma ordem sem agápe deve ser cheia de regras...
O que mais nosso amado podia Revelar????
Deus é agape e solidario e sofre com nosso sofrimento .
Isso é a Verdade e não muda , é eterno.

A verdade do Cristianismo
Escrito por: Manuel Pires (IP registado)
Data: 26 de April de 2006 10:49

Por favor, consulte esta mensagem que cai também como uma luva neste tema, e leia em especial o verso 27 do cap.1 de Tiago. Leia com atenção também esta mensagem e a respectiva citação bíblica.

Rom.: Ídolo & sexo!... Veja tb.: O Messias de YHWH é a minha religião. YHWH Deus amou-nos primeiro.

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